Tantinho da Mangueira (que cantor!) e eu (felizete!)
Há alguns anos, encontrei uma fita de rolo muito especial com gravações caseiras de Wilson Baptista cantando, batucando e compondo. Wilson possuía um gravador portátil - seu amigo inseparável na década de 1960 - e tinha por hábito apertar o "rec" e esquecer da vida. Seu processo de composição era repetir o "esboço" da música dezenas e dezenas de vezes, como um mantra, fazendo sucessivas modificações na melodia e na letra até chegar à forma final desejada. Um dos sambas que é lapidado pelo mestre ao longo da fita é "Rei Chicão", que achei uma beleza já na primeira ouvida. Épico, sombrio, moderno - é um samba com a pegada de Wilson e uma letra imensa (a exemplo de seu samba-de-breque ainda mais longo "Averiguações", lançado por Moreira da Silva).
Quarenta anos depois de ser criado, "Rei Chicão" continuava inédito. Convidamos Paulinho da Viola para dar vida ao samba, ele que tanto fez pela obra de Wilson nos anos 1970. (Na crista da onda, Paulinho pôs no mercado gravações antológicas de "Chico Brito", "Meu mundo é hoje", "Nega Luzia" e "Mulato calado", e fez questão de dizer num programa de tv, em rede nacional, que Wilson Baptista era o maior sambista brasileiro de todos os tempos.) Problemas de agenda, no entanto, impediram Paulinho de participar da festa. É dos poucos artistas cuja ausência no disco eu lamento. Fica para a próxima.
Mas há males que vêm pra bem, diz o "velho deitado" (hehehe). "Rei Chicão", voluntarioso, acabou achando seu avatar perfeito, seu tinha-de-ser: Devani Ferreira, o glorioso Tantinho da Mangueira!
Tantinho dá um confere na letra de "Rei Chicão"
Exemplo vivo de que nos menores frascos estão os melhores perfumes, Tantinho (que estava inicialmente "escalado" para outra faixa do disco), derramou sua voz de metal no arranjo caprichado de Edu Neves - com filigranas de Moisés Alves no fluglelhorn -, e deu aquele toque soturno, pungente, que o samba pedia. O "Rei Chicão" renasceu naquele 22 de outubro de 2010, no estúdio da Biscoito Fino, com uma força tremenda, em versão definitiva. Tantinho tem a vivência do morro no sangue e na voz, não é mole, não! Quem conhece seus discos cantando Padeirinho e sambas de Mangueira sabe do que estou falando. Guenta coração! Valeu Tantinho! Somos seus fãs!
Pronto para o ataque. Passe livre. Nem precisou falar primeiro com o rei Chicão.
Curiosidade: Encontrei uma versão manuscrita de "Rei Chicão" com apenas duas estrofes descrevendo figuras que deveriam "falar primeiro com rei Chicão". Optamos pela versão (mais rica) cantada por Wilson na fita. Só deixamos de fora as seguintes estrofes:
Português pra vender cachaça
Querosene pra lampião
Tinha que falar primeiro
Falar primeiro com o rei Chicão
Se alguém quisesse alugar
Sala ou quarto no barracão
Tinha que falar primeiro
Falar primeiro com o rei Chicão
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