domingo, 25 de setembro de 2011

Polêmica! (Ou: O mistério da caixeta)

          A polêmica com Noel Rosa pouco serviu a Wilson Baptista, que acabou, por causa dela, quase que diminuído ao papel de vilão na vida de Noel. Mas a disputa entre os dois rendeu, pelo menos, esse desenho incrível de Antônio Nássara para a capa do disco da Odeon, em que os sambas da Polêmica foram gravados na sequência pela primeira vez, na década de 1950. Sobre o poder de síntese absurdo do traço de Nássara, Carlos Didier, seu biógrafo, colheu uma declaração definitiva de Jaguar: "Nássara não fazia caricatura. Fazia a logomarca da pessoa."

A capa do disco "Polêmica", lançado pela Odeon na década de 1950, 
com desenho do gênio Antônio Nássara.

          Tive a ideia de fazer uma brincadeira reproduzindo a capa do disco numa fotomontagem, com Claudinha Ventura e eu representando Noel e Wilson. Todos pilharam. Fomos atrás de figurinos como os que Nássara desenhou e posamos para as lentes da fotógrafa Jaqueline Machado em seu estúdio.

Claudinha e eu no estúdio de Jaqueline Machado.

          Missão quase impossível foi encontrar o instrumento de percussão quadrado que Nássara desenhou nas mãos de Wilson. Pedi socorro ao crânio Roberto Gnattali, nosso diretor musical. O maestro respondeu por email matando a charada, com direito a imagem anexada e tudo. "Acho que é um tamborim, sim, com cabo, muito antigo, também chamado de caixeta" - escreveu ele. "Era uma moldura de madeira com uma pele esticada em um dos lados. O quadro de Heitor dos Prazeres (vide anexo) mostra um instrumento semelhante, só que sem cabo."

 
Uma caixeta, igual a que Wilson empunha na capa do disco Polêmica, é tocada por um dos personagens 
na pintura de Heitor dos Prazeres. Mistério resolvido graças a Roberto Gnattali! Dá-lhe Bob!

          Anninha Ladeira - que já havia se esfalfado atrás do lenço branco de bolinhas vermelhas que Wilson "usa" na ilustração, amarrado ao pescoço - correu atrás da caixeta e foi encontrá-la numa loja de instrumentos musicais de Laranjeiras, a Maracatu Brasil, que gentilmente cedeu o dito cujo para as fotos.
          No dia seguinte, pus mãos à obra e "photoshopei" as fotos da Jaqueline até chegar no resultado que Joaquim Ferreira dos Santos publicou na coluna Gente Boa, no dia 14 de julho de 2010 - para nosso deleite!

Foto de Jaqueline Machado pós-photoshopagem feita por mim

"Samba carioca" na coluna Gente Boa

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Mart´nália: o dengo que ela tem

Ela e eu

          Mart´nália é uma cantora com dengo na voz, como Louis Armstrong, Elza Soares, Billie Holiday e Aracy de Almeida. Faz o que quer dela, brinca com os próprios limites, e faz a gente querer sempre mais. Rascante, espontânea, inteligente, original, doce, atirada, irreverente, enfim, cheia de borogodó, Mart´nália é uma das artistas que mais tem a ver com a obra solar, transgressora e carioca de Wilson Baptista (mesmo sem ter visitado o mestre em seus discos solo, que eu saiba). Qualquer coisa do Wilson ficaria bacana na sua voz. Quem sabe "Não me pise o calo" será a primeira de outras?

Encontro de amigas: Mart´nália e Cristina Buarque 
(que fez questão de voltar naquele dia para participar da gravação do coro)

          Quando convidamos Mart´nália para participar do disco, ela estava às voltas com o lançamento do DVD e do CD "Mart'nália em África ao vivo", e por pouco não pôde participar. Mas o tempo tem seus desígnios, e, quando entramos finalmente em estúdio, ela já estava disponível. Por coincidência, Mart´nália andava frequentando a Biscoito Fino como produtora musical do disco de sua irmã Maíra Freitas - outra fera, que conheço desde "O Bilontra", musical de que participamos, eu como ator e ela como (excepcional) pianista. Acabamos encontrando uma brecha para fazer a gravação, que aconteceu numa tarde ensolarada do dia 8 de novembro de 2010.

O diretor musical Nando Duarte, a estrela e Manda-Chuva

          Estávamos lá, para recebê-la, Nando Duarte, Luisinho Barcelos, Thiago da Serrinha e eu. O arranjo foi se desenhando coletivo, e saiu puxado pro samba-rural, abaianado, com congas e palmas. Coisa raríssima na obra de Wilson Baptista, em geral sambas de bossa super urbanos. Astral!

Mart´nália toca pandeiro para Wilson Baptista

          De quebra, Mart´nália foi a artista que mais entrou na pilha das fotos para a colagem da "ceia musical" no encarte. Adorou a ideia e fez questão de participar tocando seu pandeiro. Grande figura! Viva ela!
          Quanto a "Não me pise o calo", o samba, inédito, chegou até nós por obra do pesquisador Luis Fernando Vieira - generosidade em pessoa - que entrevistou Carlos de Souza, parceiro de Wilson, e pescou a pérola há mais de trinta anos. Valeuzaço Luis Fernando!
          Obrigadíssimo a Martinho Filho e a Maíra Freitas pela torcida e pela colaboração!
          Mart´nália, como sempre, arrasou!  

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Roberto Silva: 90 anos de vida e 70 de principado!

Roberto Silva, carisma em pessoa, em plena forma aos 90 anos!

          I beg your pardon pela sinceridade, mas cada país tem o príncipe que merece! Graças a Deus, no Brasil, temos Roberto Silva. Que fique claro: nosso Príncipe (do Samba) - ao contrário do pálido Charles - ostenta o título por seu próprio mérito e talento, e não por ser filho de alguém que acredita ser rainha. O que, diga-se de passagem, é muito mais justo! 
          Já num primeiro contato por telefone, Roberto nos encheu de alegria ao topar participar do disco. Através de Syone, sua empresária e fidelíssima escudeira, o Príncipe sugeriu regravar “Rosalina” ou “Oh, seu Oscar!”, dois sucessos da lavra de Wilson que costuma cantar em shows. Meu desejo, no entanto, era privilegiar um repertório menos conhecido no disco das participações. Syone explicou que Roberto, aos 90 de idade e 70 de carreira, se permite não ter que aprender músicas novas fora de seu (vasto) repertório. Justíssimo!
          Que fazer? Pesquei três sambas sacudidos de Wilson que Roberto lançou na década de 50 em discos de 78 rpm e que nunca haviam sido relançados em LP ou regravados. São eles “Vedete”, “Vagabundo” e “Felicíssimo”. Dos três, mesmo Roberto só se lembrava 100% de “Vagabundo”, sucessinho de carnaval em 57. Os outros dois, enviamos em mp3 para ele relembrar. 

Roberto e eu: tietagem explícita

          E lá estava o Príncipe na Biscoito no dia 28 de setembro, cheio de gás, esbanjando simpatia (como sempre). Êta homem carismático! Seu único receio, devido a uma gripe, eram os tons das músicas, os mesmos de 55 anos atrás! Que nada, diante do microfone Roberto arrasou como sempre. Cantou uma vez para esquentar e conhecer o arranjo (escrito pelo craque Edu Neves), e na repetição já mandou ver. Lição de vida, simpatia, talento, humildade... 

Roberto autografando um LP

          O medley foi arranjado com pequenos intervalos instrumentais entre um samba e outro, onde a gente inseriu um bate-bola (falado) com Roberto, que foi amigo pessoal de Wilson e tem muita história para contar. Nesse dia, gravamos as respostas de Roberto para perguntas que eu mesmo fiz. Depois editamos esse material com as perguntas regravadas por Elza Soares, Cristina Buarque, Céu e Zélia Duncan - super cantoras, representando quatro gerações de fãs de carteirinha do Príncipe. A ideia era, numa "caixa d´água" (rsrs) só, homenagear esses dois grandes mestres do samba, o compositor Wilson e o intérprete Roberto. Viva eles!

Trupe reunida: eu, Nando Duarte, Syone, Julio Augusto e Roberto Silva

          Syone e Roberto: obrigadíssimo pela colher de chá! Espero poder contar com Roberto em muitos outros projetos! Se Deus quiser!
          CORREÇÃO: Acabo de receber um email de Syone, com novos dados. Na verdade, Roberto acaba de completar 91 anos de idade e 73 de carreira. Não é mole, não!!!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Terceira tiragem saindo do forno! E tome Wilson Baptista!


          Outro dia, dei uma incerta ali na livraria do cinema Arteplex e encontrei Wilson Baptista em boa companhia, entre Tom Jobim, Moska, Nando Reis e Rita Lee. O código atrás do disco (AC1000) informa: já estamos na terceira tiragem, caminhando para um total 4 mil discos-duplos, ou 8 mil bolachas, circulando por aí! Belezura!

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Encontro marcado com Wilson Baptista: dia 27/09, às sete em ponto, no Teatro Carlos Gomes


          Nosso disco de Wilson Baptista já está rodando por aí desde maio desse ano e, benzadeus, só tem nos dado alegrias. A terceira tiragem acaba de sair do forno, coisa surpreendente para um CD duplo feito nesses moldes, e as bolachas têm obtido resenhas super positivas que, aliás, venho postando aqui no blog.
          Agora chegou a hora de finalmente - e oficialmente - lançar o filhote. A pajelança vai acontecer no dia 27 de setembro, como parte do "7 EM PONTO", projeto da Prefeitura que oferece, toda terça-feira, shows a R$ 1,00 no lendário Teatro Carlos Gomes. Vamos fazer uma mistureba simpática de trechos do espetáculo musical, a cargo da dupla Claudia Ventura e Rodrigo Alzuguir (esse que vos fala), com canjas de artistas que participaram do "Reserva Especial", o disco de raras e inéditas, entre eles Marcos Sacramento, Alfredo Del-Penho, Cristina Buarque e Tantinho da Mangueira.
          A banda é o mesmo "quinteto fantástico" do espetáculo: Nando Duarte (violão), Luis Barcelos (bandolim), Levi Chaves (sopros), Geórgia Câmara (bateria e percussão) e Naife Simões (percussão). Arranjos e direção musical de Roberto Gnattali e Nando Duarte. Luz de Aurélio de Simoni. Direção do espetáculo original: Sidnei Cruz. Produção do evento: Zucca e DasDuas.
          Quem puder, apareça!

sábado, 10 de setembro de 2011

Céu, Edgard, Diogo e... Luzia

Céu e eu no Plug-In depois da gravação de "Nega Luzia"

          No dia 13 de dezembro de 2010, baixei em São Paulo bem feliz para gravar a última participação no disco de raras e inéditas de Wilson Baptista: Céu! O arranjo de "Nega Luzia" - a música escolhida - havia sido gravado algumas semanas antes aqui no Rio. Céu colocou a voz no Plug-In, simpático estúdio de seu irmão Diogo, localizado na Vila Madalena e decorado com fotos de, entre outros, Wilson Baptista (!), Noel Rosa, Vassourinha, Pixinguinha e João da Baiana.
          A participação de Céu merece um flashback. Há alguns anos, fuçando na internet, esbarrei numa entrevista dada por um produtor musical chamado Edgard Poças, que contava como conheceu Wilson Baptista e João Gilberto na década de 60, em São Paulo, ao se apresentar como violonista num programa de tv da Bibi Ferreira. Enviei umas perguntas a ele por email, ele me retornou e desde então nos tornamos camaradas. Edgard é apaixonado por Wilson Baptista. Botava os filhos, desde pequenos, para cantar lados-bês do mestre, como "Volta pra casa, Emília" e "Cowboy do amor". Essa última, aliás, foi regravada na década de 1980 pela Turma do Balão Mágico (!!) por insistência de Edgard, que, em sua bem-sucedida carreira de produtor musical, andou cuidando dos elepês do grupo.

Edgard diante das fotos de Noel Rosa e Wilson Baptista, na parede do Plug-In

          Edgard tem sido um super colaborador, contribuindo com seu entusiasmo contagiante e acionando seus contatos sempre que me vê "em perigo". Diz que faz tudo pelo Wilson! Hehehe. Outro dia, sabendo que eu precisava localizar umas gravações impossíveis de músicas do Wilson, fez sei lá que mágica e me enviou de São Paulo um CD com meia dúzia delas. Gravações antigas que nem os mega-colecionadores Leon Barg e Nirez tinham!

Edgard, Diogo Poças e eu
         
          Fiquei sabendo que Edgard é pai da Céu quase um ano depois de conhecê-lo, e mesmo assim, só porque ela mencionou seu nome numa matéria que saiu na Revista d´O Globo. Em algum momento Edgard tinha dito para mim que uma de suas filhas era cantora, mas nunca achei que fosse... a Céu!
          Bom, daí a convidá-la pro disco, foi um pulo. Ainda mais sabendo que cresceu à base de Wilson Baptista, entre outras paixões musicais do pai. Pensei inicialmente no samba-canção "Flor da Lapa", mas fechamos com "Nega Luzia", que imaginei interessante cantado por uma mulher, numa versão mais branda do que a original. Edu Neves soube traduzir essa ideia no arranjo, que ficou maneiraço. A referência era "Visgo de jaca", samba de Rildo Hora e Sergio Cabral que a Céu reinventou lindamente no disco "Vagarosa".
          "Nega Luzia" foi lançado em disco em 1956, cheio de veneno, por Ciro Monteiro. Ainda hoje é cantado nas rodas de samba cariocas, muito por conta de sua única (!!!) regravação, feita por Paulinho da Viola em 1973. Estávamos em 2010 e já era tempo de livrar Luzia novamente do "xadrez". A nega ganhou banho-de-loja e ressurgiu vagarosa, mais femme-fatale que barraqueira. Acabou sendo a música "menos rara" do disco, junto com "Essa mulher tem qualquer coisa na cabeça", as únicas que já haviam sido regravadas anteriormente.
          Céu, Diogo e Edgard: muito obrigado pela colaboração! Esse trabalho teria perdido muito sem vocês!
          A todos, convido darem uma checada no blog do Edgard, um almanaque-musical-virtual imperdível. É só clicar:
          http://www.edgardpocas.com.br/

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nosso amor que eu não esqueço... (Ou: Meio-dia no Irajá)

          Feito Owen Wilson em "Meia-noite em Paris", saltei do metrô na estação do Irajá num meio-dia de 2005 sentindo que um túnel do tempo se abria na minha frente. Meu destino não era uma festa animada por Cole Porter ao piano, como no filme de Woody Allen, mas a casa simplória de Juracy Corrêa de Moraes, a Cecy. Não tá ligando o nome à pessoa? Cecy: a "Dama do Cabaré". O grande amor de Noel Rosa. A musa de "Último desejo", entre muitas outras jóias do poeta.
          Rebobinando a fita algumas semanas, andava eu naquele 2005 encafifado com suspeitas de que a amizade entre Wilson Baptista e Cecy (revelada por João Máximo e Carlos Didier na biografia de Noel) teria derivado para um "algo a mais". Resolvi ligar pro Didier, e sua resposta me surpreendeu:
          - Ué, pergunta pra ela. Vai lá: Vila Kennedy, rua Pretoria, nº 11.
          Cogitar que Cecy – dançarina de cabaré que semeou amores na Lapa dos anos 1930 – podia estar viva em 2005 era muito estranho. Eu não podia compreendê-la zanzando por aí em pleno século XXI sem que isso fosse motivo para manchete em jornal ou entrevista no "Fantástico". Como ninguém sabia disso?

Cecy na década de 40, poucos anos depois da morte de Noel

          Desliguei à mil, imaginando rodar um curta-metragem sobre ela. Já tinha título e tudo: “Nosso amor que eu não esqueço”. Seria rodado na Lapa, óbvio. Levaríamos Cecy para passear pelo cenário de seu amor com Noel, setenta anos depois. Convidaríamos Camila Pitanga, sua intérprete no cinema, para conhecê-la.
          Bom, dali a alguns dias parti para a Vila Kennedy. Avenida Brasil. Paramos numa praça, eu e Ricardo, um amigo. Nos informamos sobre a rua Pretoria e descobrimos que ficava do outro lado da pista, no sentido de quem volta. A informação foi dada por traficas. Brabeira!
          Rua Pretoria. Casas simples. A de número 11 – branca, uma porta, uma janela – estava vazia. Fomos a um vizinho. Cecy não morava lá fazia muitos anos. Antes de se mudar, tinha morado numa outra rua por ali. Um rapaz se ofereceu a levar a gente lá. Entrou no carro e fomos.
          Cecy era conhecida na Vila Kennedy como Professora Juracy. Os moradores falavam dela com respeito e carinho. Grande parte da molecada da região tinha sido alfabetizada por ela. Foi bonito descobrir que a Dama do Cabaré tinha se convertido na Professorinha da Vila Kennedy. Falou-se também no marido dela, seu Mário - ou Marinho -, e nos problemas que o casal enfrentou com enchentes. (Bastava uma chuva mais forte para inundar a Pretoria.)
          No outro endereço, confirmaram que a Professora Juracy tinha saído da Vila Kennedy há alguns anos. Ninguém sabia pra onde. Alguém indicou que a gente tentasse se informar com uma D. Zezita. 
          Seguimos em frente, até uma praça grande, com comércio e casas. Chegamos até a casa de D. Zezita, senhora simpática, tipo nordestino. Entramos. A Professora Juracy, segundo ela, era viva, muito idosa, e alfabetizou seus três filhos Ronaldo, Rogério e Ricardo. Em 1966, Cecy já morava na Vila Kennedy com seu companheiro Marinho. O problema de falar com ela era o marido, ciumento. Seu Mário não gostava que a mulher falasse do passado, de Lapa, boemia, Noel Rosa. “Uma vez, há muitos anos,” disse D. Zezita, “vieram fazer uma matéria sobre Noel com Cecy e ela teve que dar “um perdido” no marido, foi gravar escondido na praça.”
          Um dos filhos veio conversar, disse que Cecy era uma segunda mãe para ele. A professora beneficiou muitas pessoas na Vila Kennedy. Possibilitou que tivessem outro tipo de educação e mais oportunidades na vida. D. Zezita prometeu entrar em contato com uma sobrinha de Cecy e depois falar com a gente.

A Professora Juracy da Vila Kennedy deixou boas lembranças entre os alunos
(Foto de 1967 publicada em "No tempo de Noel Rosa", de Almirante) 

          A sobrinha se chamava Rosaly e, sina da família, também tinha um marido ciumento. Era filha de Jurema, uma prima (já falecida) de Cecy. D. Zezita me ligou, passou o telefone de Rosaly, recomendando que ligasse em determinada hora para que fosse Rosaly a atender o telefone. Assim fiz.
          Rosaly contou que Cecy já não andava e falava com dificuldade. Morava com o marido numa casa em Irajá. Rua Miranda de Brito, 147. Seu Mário, confirmou a sobrinha, era muito ciumento. Vinte anos mais novo que Cecy. Rosaly ia lá uma vez por semana dar um banho caprichado na tia. Ficou de ver o que era possível. Vi meus planos de levar Cecy à Lapa “micarem”...
          Alguns dias depois, combinamos que eu iria visitar Cecy na próxima ida de Rosaly. Fomos – eu e minha mulher Carol – de metrô. Gravador, câmera. Saltamos na estação do Irajá. Andamos uns quatro quarteirões, até chegar à rua de Cecy. Eu parecia descolado da realidade. Dali a pouco estaria cara a cara com a Dama do Cabaré...
          Encontramos Rosaly na porta da casa. Casa de subúrbio. Rosaly era uma mulher tipo cabocla, de uns quarenta e tantos, miúda, cabelo preto abaixo do ombro preso num rabo, aparência humilde (mais do que eu imaginava pelas conversas por telefone). Cecy e seu Mário moravam na parte detrás da casa. 
          Fomos margeando a casa. Entramos por uma porta lateral. Uma sala estreita com dois sofás, um de frente para o outro, e uma mesa redonda de jantar no canto. Tudo muito apertado. Uma porta ao fundo dava para a cozinha. Outra, ao lado, para um quarto de dormir. Só. Num dos sofás, uma mulata novinha observava. Seu Mário de pé ao lado da mesa. No sofá da direita, deitada, de camisola, Cecy.
          Um fiapinho de gente. A camisola de tecido branco bem fino, puído, meio aberta no peito. O rosto, de traços delicados, encovado. Os cabelos brancos, ralos, penteados pra trás. A cabeça apoiada numa almofada. Tossia. A fisionomia (apesar de tudo elegante) lembrava minha avó Nymia. Pensei na música de Wilson Baptista: "Já foi a Flor da Lapa / A rainha da beleza / Os homens brindavam seu corpo bebendo champanhe / Hoje acaba o cabaré / Ela não tem quem lhe acompanhe"...
          Seu Mário era um coroa enérgico, atarracado, forte, branco, de bigode. Sem camisa. Bermuda e chinelo. Um jeito enfático de falar.
          Demos um beijo em Cecy. Cecy segurou a mão de Carol e não largou mais. Ficaram de mãos dadas o tempo todo. Eu custava a crer que a gente estivesse mesmo ali.
          Numa das paredes, colorizada, aquela foto de Cecy que saiu em preto e branco no livro do Noel. Seu Mário, papo vai, papo vem, mostrou a única foto que tinha de Cecy, além dessa na parede. Uma foto pequena, com amigos, na casa da rua Pretoria. Cecy estranha, com uma peruca loura. Matrona, sem cintura, braços finos. No geral, não era bonita, apesar dos traços suaves do rosto.
          Seu Mário contou as suas aventuras com Cecy e eu fiz perguntas a ela, já usando o gravador. Ela respondia com dificuldade, sussurrando, com poucas palavras. Abriu um sorriso quando mencionei Custódio Mesquita. Quando perguntei sobre Wilson Baptista, sorriu novamente e disse que ele era um “mulato disfarçado”, porque penteava o cabelo para trás com gel. O papo está gravado. Um dia transcrevo e divulgo.
          Forcei a barra fazendo a entrevista, mas não tive vontade de tirar fotos. Naquele estado, tenho certeza de que ela não gostaria de ser fotografada. Agradecemos e fomos embora.
          Na saída, Rosaly me falou de uma entrevista que fizeram com Cecy quando ela ainda estava bem, e que poderia me dar uma cópia. Alguns dias depois, chegou às minhas mãos uma fita de vídeo, com uma entrevista gravada de maneira amadora por Marco Santos e Mauro Silveira - nomes que constam na etiqueta da fita e que não consegui localizar até hoje. Cecy aparece falando timidamente sobre Noel, Lapa etc. Deve ser um dos poucos registros dela. 

Alguns frames da entrevista com Cecy, cedida pela sobrinha Rosaly

          Meses depois liguei para Rosaly e ela disse que seu Marinho e Cecy haviam se mudado (para algum lugar no estado do Rio, não me lembro ao certo) e que Cecy estava um pouco melhor. Num outro telefonema, já no início de 2006, Rosaly me disse que Cecy havia falecido.
          Fiquei com pena de não ter chegado alguns anos antes, a tempo de fazer um registro bacana dessa figura histórica que foi Cecy. Mas valeu a tentativa. Foi incrível passar uma tarde no Irajá ao lado da Dama do Cabaré - mesmo que no apagar das luzes!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Ruy Castro na Ilustríssima: melhor disco de samba do ano!

A linda capa da Ilustríssima, com ilustração do argentino Ricardo Liniers e
chamada para o texto de Ruy, "Diário do Rio"

          Falei de meu mestre Ruy Castro aqui em outra postagem, e do que ele me disse ao telefone sobre o disco. Fiquei feliz pra burro na época. No domingão agora, fui às nuvens com essa resenha que ele escreveu, e o caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo publicou. É bom também porque assim não fico com fama de Pantaleão. Taí o que ele achou, minha gente: "Melhor disco de samba do ano e talvez o songbook mais criativo já feito no país." É mole? Guenta coração! Sensação de dever cumprido (quase, porque ainda falta a biografia). Mexer com a obra de uma fera como Wilson é uma responsa danada. Te devo mais essa, Ruy!
          Uma curiosidade: "Nelson Cavaquinho", que muita gente da equipe implicava por conta dos "salgadinhos" rimando com "cavaquinho", é sempre destacada nas resenhas. Ruy não fugiu à regra e achou a marcha-rancho "sublime". Ainda bem que não desistimos dela! Clique para ler na íntegra.